quarta-feira, 18 de maio de 2016

O Princípio da Boa Administração

Para analisarmos de maneira profunda o princípio da boa administração, realizaremos, inicialmente, uma análise ao princípio da prossecução do interesse público, visto que este aparece ligado ao princípio da boa administração, e, posteriormente, uma análise ao princípio da boa administração, abordando quatro aspetos de máxima importância: A boa administração como eficiência, a autonomia da boa administração como eficiência, a boa administração como eficiência enquanto parâmetro de controlo da atividade administrativa e, por fim, a boa administração no direito europeu.
Começaremos então pela definição de interesse público. Segundo Jean Rivero, o interesse público corresponde ao conjunto das necessidades vitais, que não podem ser satisfeitas pela iniciativa privada, de uma determinada comunidade na sua totalidade e de cada um dos membros dessa comunidade.
De acordo com o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, os interesses públicos são definidos pela Constituição da República Portuguesa e pela Lei através da identificação das necessidades vitais coletivas que precisam de ser satisfeitas e, posteriormente, da definição dos termos do processo coletivo pelo qual se vão satisfazer essas necessidades. Como tal, podemos verificar, que os interesses públicos não são definidos pela Administração Pública, visto que a função administrativa é apenas uma função secundária do Estado.
Assim, a Administração Pública apenas pode prosseguir interesses públicos e nunca interesses privados e os interesses públicos a prosseguir são aqueles que estão especificamente definidos na lei. Com isto, podemos afirmar que o princípio da prossecução do interesse público, referido no artigo 266º/1 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 4º do Código do Procedimento Administrativo, constitui um limite à margem de livre decisão administrativa.
Contudo, não basta que a Administração Pública prossiga o interesse público constitucional e legalmente fixado, esta tem o dever de o prosseguir da melhor maneira possível, adotando para isso as melhores soluções possíveis do ponto de vista administrativo técnico e financeiro. Visto que a Administração tem ao seu dispor várias soluções possíveis de adotar, podemos afirmar, que temos perante nós um dever vago, flexível e de contornos imprecisos.
Referimo-nos, assim, ao princípio da boa administração regulado no artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo. Iniciemos, assim, a abordagem aos quatro aspetos referidos posteriormente.


1. A boa administração como eficiência:
Como já foi referido, o princípio da boa administração encontra-se regulado no artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo, sendo que este obriga a que a Administração Pública atue de acordo com critérios de eficiência, economicidade e celeridade. 
Com isto, grande parte da Doutrina como Mário Aroso de Almeida, Diogo Freitas do Amaral e Miguel Assis Raimundo, considera que é possível associar a ideia de boa administração à ideia de eficiência, igualando estes dois princípios. O sentido amplo da eficiência consegue conter a economicidade e a eficácia.


2. A autonomia da boa administração como eficiência:
Segundo o Professor Miguel Assis Raimundo, tanto a eficácia como o princípio da proporcionalidade visam a adequação entre os meios e os fins para atingir o interesse público. Visto que, como já foi referido em momento anterior, a eficiência em sentido amplo contem a eficácia, o mesmo será dizer que a eficiência é próxima do princípio da proporcionalidade.
No entanto, o Professor afirma que estes distinguem-se entre si, visto que, enquanto a eficiência não necessita da existência de uma lesão de uma posição jurídica alheia para funcionar e limita o sacrifício que se pode exigir dos recursos públicos, o princípio da proporcionalidade precisa que haja uma lesão de uma posição jurídica alheia e limita o sacrifício de bens e interesses que se pode exigir a outra subjetividade.
Assim, apesar de existir uma sobreposição da eficiência sobre o princípio da proporcionalidade, não se justifica a falta de autonomia da mesma, até porque a eficiência responde a certas questões que os outros princípios não respondem, como à questão de se o interesse público se deve realizar pela via contratual ou através da colaboração de particulares, através da realização de testes técnicos e económicos que comparam as vantagens de realizar esta tarefa com recurso ao setor público ou à colaboração dos particulares. Para além disto, a eficiência ainda relembra os trabalhadores e dirigentes da administração de uma afetação razoável de fundos públicos a um certo fim e da gestão prudente e diligente de interesses alheios no desempenho das suas funções e é usada no controlo da razoabilidade da afetação de fundos públicos por parte da entidade que executa o controlo.
Para finalizar, o Professor Miguel Assis Raimundo afirma que a eficiência é, então, a dimensão específica da ideia geral do princípio da proporcionalidade e do princípio da justiça.

3. A boa administração como eficiência enquanto parâmetro de controlo da atividade administrativa:
Segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, com o artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo de 2015, a gestão eficiente dos recursos públicos para a satisfação das necessidades gerais deixa de ser imposta apenas ao legislador, passando a ser igualmente imposta no plano organizativo da Administração Pública, sendo que esta tem de se encontrar estruturada de forma a proporcionar um funcionamento eficiente, e na Administração em si, visto que esta tem de exercer a sua atividade de maneira eficiente.
Assim, verificamos que a atuação administrativa tem tido uma crescente juridificação, no entanto, a ver deste Professor e de outros como, o Professor Diogo Freitas do Amaral, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa e o Professor Alexandre Sousa Pinheiro/ Tiago Serrão/ Marco Caldeira/ José Duarte Coimbra, esta não resulta na atribuição aos juízes administrativos da possibilidade de anularem um ato administrativo com base na falta de eficácia, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes visto que os Tribunais apenas se podem pronunciar sobre a legalidade das decisões e não sobre o mérito das mesmas. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa vem ainda afirmar que os Tribunais podem anular um ato administrativo caso esse ato siga um interesse público diferente do definido pela lei, ou caso esse ato siga um interesse privado. São ainda elementos de reforço desta ideia, o facto do princípio da eficiência não ter capacidade para constituir direitos subjetivos dos particulares e o facto dos critérios deste princípio serem extrajurídicos e os tribunais apenas aplicarem critérios jurídicos.
A esta ideia opõe-se a do Professor Miguel Assis Raimundo que explica que se o princípio da eficiência é tão efetivo e vinculativo quanto os outros princípios e que se qualquer princípio vinculativo pode levar à anulação das atuações administrativas desconformes ao princípio em causa, então, o princípio da eficiência também pode levar a essa anulação. Também para este Professor, o facto do princípio da eficiência não constituir direitos subjetivos dos particulares é refutável com a ideia de que existem várias formas de legitimidade processual que não dependem da existência de um direito subjetivo afetado, e refuta igualmente o facto de os tribunais apenas aplicarem critérios jurídicos, com a ideia de que estes precisam do contributo de outros saberes, como saberes extrajurídicos.
Apesar disto, todos estes Professores concordam com o facto do dever da boa administração ser um dever jurídico imperfeito por não apresentar quaisquer sanções jurídicas em caso de violação do mesmo. No entanto, isto não faz com que este dever perca o seu caráter jurídico, visto que a doutrina nacional ilustra bastantes consequências jurídicas caso ocorra a violação desse dever, sendo que esta pode ser tida em consideração na classificação dos funcionários administrativos, pode constituir um funcionário administrativo em responsabilidade disciplinar ou em responsabilidade civil extracontratual e, por fim, pode servir de fundamentação para impugnações administrativas.

      4. A boa administração no direito europeu:
No direito europeu, a boa administração começa a ser afirmada como o inverso à maladministration. Sendo que a maladministration ocorria quando um órgão administrativo não atuava de acordo com as regras e princípios a que se encontrava vinculado, a boa administração seria, portanto, cumprir com aquilo a que órgão administrativo está obrigado. Este conceito foi sendo discutido entre o soft law, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e a doutrina. Assim, chega-se à consagração deste princípio no artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, Miguel Assis Raimundo e Jorge Pereira da Silva, o princípio da boa administração, consagrado no artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, é reconhecido num sentido significativamente diferente do correspondente à tradição doutrinal portuguesa.
Assim, o conceito consagrado nesse artigo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, vem afirmar que, para que exista uma boa administração é necessário adotar determinados deveres jurídicos nos procedimentos formais de tomada de decisões de autoridade de maneira a criar condições para que se decida da melhor forma, já que a Administração Pública não tem capacidade para afirmar com certeza se uma decisão é boa ou má. Como tal, ocorre nesta conceção um deslocamento do ponto de referência do princípio da boa administração para exigências de caráter instrumental, visto que, na conceção tradicional portuguesa, exige-se que a Administração administre bem do ponto de vista dos resultados práticos que resultam da ação.
Ao ler o artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, podemos ainda verificar que este apresenta como componentes da boa administração, elementos que no direito administrativo português gozam de consagração constitucional e/ou legal com a autonomia à ideia de eficiência, e ainda que este artigo não realiza qualquer referência aos critérios de eficiência, economicidade e eficácia.
Apesar da discrepância existente entre o conceito de boa administração proposto pelo direito europeu e o apresentado pela doutrina nacional, o Professor Miguel Assis Raimundo afirma que tal não põe em causa a consagração deste princípio no Código do Procedimento Administrativo, visto que o conceito de boa administração ao nível europeu não apresenta uma dimensão apenas procedimental, devido a algumas referências realizadas na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e noutros Tratados que apelam a uma perspetiva de controlo substantivo ou material.
Já o Professor Mário Aroso de Almeida não concorda com esta nova abordagem, declarando que uma mera observância de regras e princípios jurídicos no procedimento formal de tomada de decisões de autoridade não garante, por si só, a boa administração, visto que os problemas de má administração ultrapassam, por vezes, as fronteiras jurídicas. Apesar disto, o Professor aproveita este conceito formalizado de boa administração, para criar um novo conceito que encontre um ponto de equilíbrio entre as exigências de juridicidade, exigíveis pelo conceito de boa administração dado pela União Europeia, e as exigências de eficiência, exigíveis pelo conceito de boa administração dado pela doutrina portuguesa. Assim, para que exista uma boa administração é necessário que se adote um procedimento que respeite os princípios fundamentais jurídicos que se impõem Administração Pública e que providencie serviços públicos eficientes.
Segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, estas duas dimensões enunciadas do princípio da boa administração encontram-se sintetizadas, de modo complementar, nos artigos 4º e 5º do Código do Procedimento Administrativo.

Rita Garcia Pereira, 25771

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