Acto Administrativo,
uma leitura de Mário Aroso de Almeida
O conceito de acto administrativo
ocupa uma posição central no Direito Administrativo, todavia a sua noção ainda
não foi objecto de definição única e
certa[1], neste
sentido as respostas doutrinias são diversas. Tal como noutros ordenamentos
jurídicos, também no português o conceito de acto administrativo foi sendo
construído a partir de dados jurisprudenciais. Assim, Marcello Caetano,
seguindo os ordenamentos francês e italiano, apresentou-o com um sentido amplo,
designadamente com “a conduta voluntária de um órgão da Administração que, no
exercício de um poder público e para prossecução de interesses propostos por
lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto”[2]
.
Em sintonia com este conceito amplo de acto administrativo, apresentava o
mesmo autor o conceito mais restrito de acto administrativo definitivo e
executório, como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no
exercício de um poder público que, para a prossecução de interesses a seu
cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma
petição, defina, com força obrigatória coerciva, situações jurídicas num caso
concreto” fixando “os direitos da Administração ou dos particulares, ou os respectivos
deveres, nas suas relações jurídicas” e que podia ser objecto de impugnação
contenciosa[3].
Ora, a este conceito associado ao Estado Novo sucede uma doutrina dividida
no Estado de Direito democrático quanto à delimitação do conceito de acto
administrativo enquanto categoria classificatória das manifestações jurídicas
concretas que são produzidas pela Administração. Os seguidores de Marcello
Caetano defendiam que deveria manter-se a distinção entre actos administrativos
definitivos e actos administrativos não-definitivos, a partir do conceito
amplo. Aqui estaríamos perante a autonomização do conceito de acto
administrativo materialmente definitivo, de acordo com Freitas do Amaral.
Inversamente, os defensores da doutrina alemã, também por influência italiana,
defendem que essa distinção deveria ser abandonada, adoptando-se um conceito
restrito que deixasse de fora as manifestações jurídicas não impugnáveis, a
enquadrar numa categoria distinta de actos jurídicos, a qualificar como actos instrumentais.
O que preconiza o novo CPA?
À luz da definição legal contida no artigo 148.º do CPA, consideram-se actos
administrativos “as decisões que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa
situação individual e concreta”. Na esteira de Mário Arnoso de Almeida,
afirma-se que o essencial do percurso doutrinário e jurisprudencial, construído
ao longo de décadas, se encontra plasmado naquele artigo do novo CPA,
correspondendo à teoria geral do acto administrativo. Na visão deste autor, o
artigo 148.º restringe o âmbito da figura do acto administrativo aos actos
decisórios com eficácia externa, delimitando
também o regime procedimental dos artigos 102.º e seguintes, que toma como
referência esta figura.
Assim, o conteúdo decisório continua a manter a sua relevância, sendo
elemento determinante na definição de acto administrativo, ou seja, é
necessário conteúdo que exprima uma decisão bem como uma resolução que indique
a meta visada ou as condutas a adoptar. Todavia, quando invoca aquele conteúdo,
não se alude apenas aos actos finais dos procedimentos administrativos, inclui
todos os actos praticados ao longo dos procedimentos, que definam situações
jurídicas dos interessados, determinando o Direito aplicável. Neste sentido,
falamos em decisões interlocutórias que formam caso decidido formal no
âmbito do procedimento. Neste domínio, encontramos também as decisões
prévias ou decisões parcelares visto que possuem conteúdo decisório.
Inversamente, excluem-se do conceito que ora nos ocupa os actos preparatórios
dos procedimentos administrativos, v. g. pareceres não vinculativos,
informações e propostas.
Seguindo o artigo 148.º do CPA, acresce que os actos administrativos visam
produzir efeitos externos, ou seja, interesses e direitos de entidades
exteriores àquela que o pratica[4],
excluindo-se todos os demais actos jurídicos concretos. Por conseguinte, este
artigo estabelece uma fronteira entre actos que visam produzir efeitos externos
e os actos internos, que não produzem aquele efeito. O requisito da eficácia
externa exclui os actos decisórios praticados no âmbito de relações
interorgânicas. Neste sentido, os actos sem conteúdo decisório não são actos
administrativos, assumindo duas tipologias distintas: actos praticados fora do
âmbito de procedimentos administrativos com relevância externa (v. g. ordens de
serviço) ou no âmbito de procedimentos administrativos com eficácia externa (v.
g. a ordem que o órgão superior dirige aos serviços para instaurarem um
processo disciplinar a um funcionário).
Esta destrinça de actos internos de externos, no plano funcional, inerente
ao artigo 148.º do CPA afigura-se consistente com o princípio da segurança
jurídica, pois delimita o conceito de forma estabilizadora e em consonância com
a doutrina, a evolução da sociedade e o percurso do próprio Direito Administrativo.
Graça Santos e Sá
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