sexta-feira, 20 de maio de 2016

Acto Administrativo,
uma leitura de Mário Aroso de Almeida

 O conceito de acto administrativo ocupa uma posição central no Direito Administrativo, todavia a sua noção ainda não foi objecto de definição única e certa[1], neste sentido as respostas doutrinias são diversas. Tal como noutros ordenamentos jurídicos, também no português o conceito de acto administrativo foi sendo construído a partir de dados jurisprudenciais. Assim, Marcello Caetano, seguindo os ordenamentos francês e italiano, apresentou-o com um sentido amplo, designadamente com “a conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses propostos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto”[2] .
Em sintonia com este conceito amplo de acto administrativo, apresentava o mesmo autor o conceito mais restrito de acto administrativo definitivo e executório, como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que, para a prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória coerciva, situações jurídicas num caso concreto” fixando “os direitos da Administração ou dos particulares, ou os respectivos deveres, nas suas relações jurídicas” e que podia ser objecto de impugnação contenciosa[3].
Ora, a este conceito associado ao Estado Novo sucede uma doutrina dividida no Estado de Direito democrático quanto à delimitação do conceito de acto administrativo enquanto categoria classificatória das manifestações jurídicas concretas que são produzidas pela Administração. Os seguidores de Marcello Caetano defendiam que deveria manter-se a distinção entre actos administrativos definitivos e actos administrativos não-definitivos, a partir do conceito amplo. Aqui estaríamos perante a autonomização do conceito de acto administrativo materialmente definitivo, de acordo com Freitas do Amaral. Inversamente, os defensores da doutrina alemã, também por influência italiana, defendem que essa distinção deveria ser abandonada, adoptando-se um conceito restrito que deixasse de fora as manifestações jurídicas não impugnáveis, a enquadrar numa categoria distinta de actos jurídicos, a qualificar como actos instrumentais.
O que preconiza o novo CPA?
À luz da definição legal contida no artigo 148.º do CPA, consideram-se actos administrativos “as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. Na esteira de Mário Arnoso de Almeida, afirma-se que o essencial do percurso doutrinário e jurisprudencial, construído ao longo de décadas, se encontra plasmado naquele artigo do novo CPA, correspondendo à teoria geral do acto administrativo. Na visão deste autor, o artigo 148.º restringe o âmbito da figura do acto administrativo aos actos decisórios com eficácia externa, delimitando também o regime procedimental dos artigos 102.º e seguintes, que toma como referência esta figura.
Assim, o conteúdo decisório continua a manter a sua relevância, sendo elemento determinante na definição de acto administrativo, ou seja, é necessário conteúdo que exprima uma decisão bem como uma resolução que indique a meta visada ou as condutas a adoptar. Todavia, quando invoca aquele conteúdo, não se alude apenas aos actos finais dos procedimentos administrativos, inclui todos os actos praticados ao longo dos procedimentos, que definam situações jurídicas dos interessados, determinando o Direito aplicável. Neste sentido, falamos em decisões interlocutórias que formam caso decidido formal no âmbito do procedimento. Neste domínio, encontramos também as decisões prévias ou decisões parcelares visto que possuem conteúdo decisório. Inversamente, excluem-se do conceito que ora nos ocupa os actos preparatórios dos procedimentos administrativos, v. g. pareceres não vinculativos, informações e propostas.
Seguindo o artigo 148.º do CPA, acresce que os actos administrativos visam produzir efeitos externos, ou seja, interesses e direitos de entidades exteriores àquela que o pratica[4], excluindo-se todos os demais actos jurídicos concretos. Por conseguinte, este artigo estabelece uma fronteira entre actos que visam produzir efeitos externos e os actos internos, que não produzem aquele efeito. O requisito da eficácia externa exclui os actos decisórios praticados no âmbito de relações interorgânicas. Neste sentido, os actos sem conteúdo decisório não são actos administrativos, assumindo duas tipologias distintas: actos praticados fora do âmbito de procedimentos administrativos com relevância externa (v. g. ordens de serviço) ou no âmbito de procedimentos administrativos com eficácia externa (v. g. a ordem que o órgão superior dirige aos serviços para instaurarem um processo disciplinar a um funcionário).
Esta destrinça de actos internos de externos, no plano funcional, inerente ao artigo 148.º do CPA afigura-se consistente com o princípio da segurança jurídica, pois delimita o conceito de forma estabilizadora e em consonância com a doutrina, a evolução da sociedade e o percurso do próprio Direito Administrativo.

Graça Santos e Sá













[1] Cfr Mário Aroso de Almeida, in  Teoria Geral do Direito Administrativo, citando André Laubadère.
[2] Cfr Mário Aroso de Almeida, op cit, p. 184
[3] Idem
[4] Ibidem, p. 191.

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