“Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional”
Relativamente ao início, são tecidas algumas
considerações importantes e a que se devem fazer referência, tais como os
tribunais, a regra do contencioso administrativo e a questão dos conceitos
indetermináveis como sindicáveis.
Segue-se o relatório do mesmo acórdão. Ora, temos o
problema de um secretário de estado da administração interna a recorrer de um
acórdão que data de 23 de Março de 2006, proferido pelo tribunal central
administrativo sul, mais concretamente o TCA. Este indivíduo (note-se que falo
do Secretário de Estado que recorre) enumera determinadas alegações, dizendo
que os funcionários têm como objetivo principal desempenhar as funções análogas
a “necessidades permanentes dos serviços”. Agora, a questão nuclear é a de saber
se realmente este serviço seria uma “função permanente dos serviços”, o que
implica abordar a questão da margem de livre decisão. Assim, o diretor-geral de
viação responde negativamente, pois não seriam necessidades permanentes do
serviço em causa, dizendo ainda que implicaria a violação do princípio da
separação de poderes que consta da norma do artigo 111º/1 da nossa Constituição
que se encontra vigente, bem como o desrespeito da margem de livre decisão.
Assim, coloca-se a questão: nulo ou anulado?
Revogado? Ora, o tribunal central administrativo vem referir que o acórdão não
desobedeceu à lei e que, por conseguinte, não houve violação das normas
constantes do art. 111º e 112º/1 da CRP, concluindo-se assim com a “oportuna
subida dos autos ao STA”.
Passando-se para a terceira parte e que, julgo eu,
a mais importante, trata-se a questão do “Direito”. Ora, o problema aqui
suscitado seria realmente o da expressão “a necessidades permanentes dos
serviços”, pois existe aqui um conceito indeterminado. Mas será mesmo um
conceito indeterminado? Este conceito deve ser analisado pelos tribunais? Aqui,
não me cumpre a mim obviamente, mas sim à doutrina ter uma palavra sábia sobre
o assunto. Comecemos por Azevedo Moreira, “sempre defendeu a sindicabilidade”,
mas em que medida? Em todas as situações? A resposta é no sentido negativo,
esta parte da doutrina vem estabelecer algumas exceções a esta “sindicabilidade”,
e até o nosso atual Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa) vem
reiterar esta posição no seu livro que outrora foi escrito há uns anos.
Mas o problema subsiste, este conceito
indeterminado expresso pelo secretário de estado continua a dar que pensar. Mas,
pensando bem, quando provimos à administração pública é nesse sentido, no
sentido de satisfazer as necessidades dos indivíduos pertencentes à comunidade.
No entanto, na minha humilde opinião, há que ter-se
em conta diversos fatos, o primeiro é referente ao elemento temporal, ou seja,
há quanto tempo o secretário de estado exerceria essas funções? Se for por um
tempo longo, considere-se continuado, é normal que cumprisse serviços que lhe
fossem propostos pelo seu “suposto” superior. Em segundo lugar, ao tempo em que
recorreu do acórdão, este já se encontrava em funções “em tempo equivalente ao
período normal de trabalho estabelecido para os trabalhadores da função pública
(…), desempenhava essas funções (…)”. Assim, parece-me que o indivíduo
cumpriria “necessidades permanentes dos serviços onde estava integrado”.
Quanto ao ponto quarto relativo à decisão: “nos
termos e com os fundamentos expostos acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.”. Adoto esta posição, mas existem algumas questões que devem ser
analisadas. Afinal, o que são conceitos indeterminados no Direito
Administrativo? Podem caraterizar-se como conceitos jurídicos vagos e/ou
indeterminados, ou seja, são conceitos que não transmitem certeza quanto ao seu
parecer e não devem ser vistos como conceitos que têm interpretações
diferentes, porque não se trata disso, de maneira nenhuma.
Mas como deve o tribunal atuar perante estes casos?
O tribunal deve permitir que seja o administrativista a utilizar o conceito,
que neste caso seria indeterminado, mas, como os comentários ao acórdão
estabelecem, podemos não estar perante conceitos verdadeiramente
indeterminados.
Agora, é importante fazer referências às matérias
do Direito Administrativo em causa presentes neste acórdão, mais concretamente:
separação de poderes; o papel da margem de livre apreciação e os conceitos
indeterminados, onde no meio destas matérias aparece a problemática do
Beurteilungsspielraum que não deve ser aplicado por várias razões plausíveis
explicitadas no documento em causa.
Já se sabe o que são conceitos indeterminados e na
ótica de Marcelo Rebelo de Sousa estes são também “juridicamente controláveis”,
para além do mais, pode haver este tipo de controlo no que toca a normas que
não se podem afastar da margem de livre decisão que podem ser citadas:
“competência, procedimento, visão exata dos fatos, fim legal, princípios
fundamentais de conduta administrativa, direitos fundamentais”? E no exercício
discricionário em sentido próprio? Parece que não, porque uma coisa é a
interpretação das normas, outra coisa será a sua aplicação. Com tudo isto,
viola-se o princípio da separação de poderes.
A margem de livre apreciação visa dar um maior
significado de conceitos jurídicos indeterminados e inclui duas modalidades:
esta está incluída na margem de livre decisão e confronta-se com outra
modalidade, mais precisamente a de discricionariedade. Não é que a livre
apreciação e a discricionariedade não se incorporem (pois têm abertura ao
Tatbestand), mas têm barreiras entre si. No entanto, ambas dão uma maior
liberdade ao legislador para a formulação de determinados ditames.
Assim, no que toca a esta perspetiva teremos uma
posição dualista? Ora, no que toca ao plano metodológico relativo à matéria
“coexistem um traço comum e um traço distintivo” entre ambas. Relativamente ao
traço comum, o legislador tem uma atuação autodeterminada, no que toca à
abertura da norma, mas, é necessário ter em conta que a abertura da norma que
dá uma margem de livre decisão administrativa vai confiar um ato de vontade.
Ainda assim, a discricionariedade administrativa, também resulta de uma
abertura da norma. Ainda neste plano metodológico, deve ser referido o traço
comum, mas um traço comum de natureza funcional.
Relativamente à expressão introduzida no acórdão
comentado: “parece óbvio que nada, nesta diferença entre margem de livre
apreciação e discricionariedade, justifica que, a par do controlo jurisdicional
restrito da discricionariedade, tenhamos sindicância total da margem de livre
apreciação” vem acentuar a ideia de que independentemente de existir uma
diferença entre ambas as modalidades, existe ainda uma sindicância de uma das modalidades,
a margem de livre apreciação.
Mas, antes de passar para o IV ponto relativo à “indeterminação
estrutural e mera dificuldade de interpretação”, penso que seja necessário
fazer uma breve referência à margem de livre apreciação integrada como modalidade
da margem de livre decisão administrativa, na ótica do Prof. Marcelo Rebelo de
Sousa e André Salgado Matos. Ora, segundo estes autores, “a margem de livre
decisão administrativa consiste num espaço de liberdade de atuação
administrativa conferido por lei e limitado pelo bloco de legalidade,
implicando, portanto uma pelo menos parcial auto-determinação administrativa”. Assim,
a margem de livre decisão é composta por duas modalidades, a de
discricionariedade e a de margem de livre apreciação. A 1ª modalidade (ou seja,
a discricionariedade) pode dividir-se em três subsecções: de ação, de escolha e
criativa. A discricionariedade de ação passa por um agir ou não, a de escolha
reflete-se numa escolha entre duas atuações ditadas pela lei e a
discricionariedade criativa vem ditar uma criação de uma atuação dentro dos
limites impostos.
Mas, a 2ª modalidade é a que me realmente importa,
a modalidade relativa à margem de livre apreciação, assim, há uma atribuição
conferida pela lei que dá à administração uma determinada liberdade no que toca
há apreciação de situações que se podem refletir ou não nas suas decisões. É importante
saber se estamos perante conceitos verdadeiramente indeterminados ou não e
ainda se existe liberdade avaliativa. Mas, são sobretudo os tribunais que delimitam
o contorno desta modalidade.
Passo então ao ponto IV deste relatório – “a
indeterminação estrutural e mera dificuldade de interpretação”, aqui o que é
realmente importante é interpretar a norma com o intuito de descobrir se se deve
remeter a mesma para o “aplicador administrativo” um critério de avaliação ou
não. No entanto, deve sublinhar-se que esta interpretação é a que é conforme à
Constituição, à nossa Constituição. Mas ainda, há um “contraponto dos procedimentos
administrativos especiais”.
Ainda não fiz referência aos poderes vinculados,
estes podem ter uma valoração positiva ou negativa com um pressuposto
indeterminado, mas na margem de livre decisão há uma autodeterminação no que
toca à decisão em causa feita pela administração.
Ora, nestas duas modalidades da margem de livre
decisão não tem de haver um controlo excessivo do Tribunal num todo das
decisões que não são sujeitas pelo Direito.
Concluindo, dada toda a exposição feita, é clara a
minha concordância com a decisão tomada pelo tribunal, apenas, no meu humilde
ver não se tratou de uma ocupação de um conceito verdadeiramente indeterminado.
Julgo que não compreendeu bem os factos descritos... Não era a posição do Secretário de estado que estava em causa. Além do mais, enviei para o email de subturma uma anotação deste acórdão que deveria ter analisado. Cfr. SÉRVULO CORREIRA, «Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional» in CJA, n.º 70, 2008, pp. 35 e ss.
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