Nem tudo que reluz é oiro
Em Portugal, a doutrina apresenta três abordagens sobre o entendimento da posição jurídica dos particulares em face da Administração.
Uma conceção clássica dominante (Professor Freitas do Amaral entre outros ilustres apologistas) de origem italiana, baseada numa construção de natureza trinitária, com três figuras substantivas: Direitos subjetivos, Interesses legítimos e Interesses difusos.
Uma segunda construção, baseada na teoria do direito reativo (de matriz espanhola, embora haja quem lhe atribua origem alemã) aludindo a que o direito subjetivo nasce contenciosamente face às ilegalidades cometidas pela Administração. Conforma duas perspetivas distintas quanto ao momento de construção do direito subjetivo reativo. Para uns, (Prof. Rui Medeiros) o direito subjetivo emerge no momento da lesão, para outros (Mário Aroso Almeida) o direito subjetivo reativo constrói-se apenas no momento em que o particular age judicialmente. Em qualquer caso, o direito subjetivo público surge subordinado à violação da lei pela Administração, com génese circunscrita ao quadro da teoria processual. A principal crítica a esta construção evidencia certa confusão entre o direito de impugnação de decisões administrativas, no âmbito do direito de ação jurisdicional com os direitos substantivos que essa posição processual visa tutelar. Porém, corresponde a uma construção com lógica unitária em termos da posição jurídica dos particulares em face da Administração.
Finalmente, uma construção unitária baseada na teoria da norma de proteção, advogando que, no quadro do atual Estado de Direito, qualquer normalmente jurídica, quer regule a posição do particular, quer estabeleça um dever à Administração, atribui, independentemente da sua natureza, um direito subjetivo. A norma tanto pode ser legal, constitucional, internacional, ou infra legal. A par do legislador ordinário, toda a ordem jurídica no seu conjunto cria direitos subjetivos. Trata-se de uma conceção ampla de direitos subjetivos dos particulares, em que estes podem ter direitos de conteúdos diferentes, atribuídos pela ordem jurídica de forma diferenciada.
Os interesses subjetivos aludidos pela construção trinitária são, para esta teoria, verdadeiros direitos subjetivos e no quadro de uma relação jurídica tanto vale o estabelecimento de um direito ao particular como um dever à Administração.
Porém, há quem distinga direitos subjetivos de interesses legalmente protegidos. A própria Constituição e a lei ordinária mantêm esta distinção aludindo a “direitos ou interesses legalmente protegidos“ (notar que o constituinte e o legislador ordinário podiam ter optado apenas por uma referência a direitos subjetivos, o que asseguraria simplificação normativa).
Neste contexto, importa ponderar sobre qual tem sido a prática dominante da Administração e do poder judicial administrativo relativamente às construções em apreço.
É possível identificar atuações da Administração em que os direitos subjetivos são protegidos de forma direta e imediata pela lei. Se são considerados direitos, o seu titular pode exigir à Administração (via legis) um comportamento que satisfaça plenamente esses direitos, sendo possível exigir-lhe uma decisão favorável. A Administração está adstrita à plena efetivação desse direito e se não decidir em conformidade então pratica uma ilegalidade (violação da lei).
Já quando estão em causa interesses legalmente protegidos, afigura-se que estes se revestem de maior fragilidade e o particular apenas poderá obrigar a Administração ao respeito pela legalidade, sendo remota a possibilidade de lhe exigir uma decisão favorável. Ou seja, a expetativa do particular no quadro da legalidade esgota-se numa exigência de que a Administração trate de forma igual situações que se configurem idênticas.
Então, admitindo-se válido este contexto, a lógica intelectual da construção unitária do direito subjetivo fica claramente prejudicada face à prática administrativa do quotidiano.
Mas, fazendo um exercício mental de paralelismo com o valor das normas da CRP, verificamos que esta trata os direitos fundamentais de forma diferenciada. Os direitos sociais sendo verdadeiros direitos fundamentais, carecem de reafirmação quando colocados perante a posição dos direitos, liberdades e garantias. Facto indubitável, mesmo se recorrermos a abordagens explicativas que distingam a natureza diversa dos direitos em causa, porquanto sendo todos direitos fundamentais, alguns assumem-se mais fundamentais que outros, com especial ênfaseem determinadas circunstâncias.
Ora, reportando-nos à consideração de FRITZ WERNER de que o Direito Administrativo era o “Direito Constitucional concretizado” somos levados a ponderar se a construção unitária dos direitos subjetivos face à Administração não representará, per si, um desafio idêntico ao do próprio valor específico de todos e cada um dos direitos fundamentais inscritos na CRP. Notar que enquanto os direitos sociais aparecem em normas programáticas, os direitos, liberdades e garantias, configuram normas preceptivas, que atribuem um direito subjetivo, quer sejam exequíveis por si mesmas quer não exequíveis por si mesmas.
Francisco J. C. Lopes
Sem comentários:
Enviar um comentário