segunda-feira, 30 de maio de 2016

CONTROLO JURISDICIONAL E BOA ADMINISTRAÇÃO

De entre os fundamentos estruturantes do direito administrativo português, e em vista dos valores fundamentais que devem reger esta actividade “num Estado de Direito democrático” (cfr. Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07.01) emergem os inerentes princípios conformadores (cfr., desde logo, os artigos 3.º a 19.º, do, referenciado, e vigente, CPA/Código do Procedimento Administrativo) e, entre eles, o da boa administração (cfr. artigo 5.º), tido este por, nesta matéria, significativa inovação (cfr. preâmbulo daquele Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07.01), aqui se consignando que por ele, em “quadro heterogéneo”, foram integrados “os princípios constitucionais da eficiência, da aproximação dos serviços das populações e da desburocratização”.
A propósito do concretizar uma “boa administração”, e neste enquadramento, ressalta a problemática dos limites desta como eficiência enquanto referencial de possibilidade, ou não, do controlo jurisdicional da actividade administrativa, em particular quando aferida a “margem da livre decisão administrativa” (enquanto “espaço de liberdade da actuação administrativa conferido por lei” implicando “uma pelo menos parcial autodeterminação administrativa”) ao rigoroso cumprimento do princípio da legalidade, “v.g.” na medida em que se defenda que “o controlo jurisdicional carece de ultrapassar uma metodologia de controlo da margem de livre decisão que, por assentar demasiado em elementos vinculados e formais, não é já compatível com a feição actual do ordenamento jurídico” e que “o direito administrativo pede, hoje, um cálculo sensato e orientado para a justiça, quer por parte do administrador, que o faz em primeira linha, quer por parte do julgador, que o controla” - cfr. “Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo”, 2.ª edição/2015, da “AAFDL Editora”, página 205.
A equação sempre haverá que ter em conta a natureza dos actos integradores de uma “boa administração” - gerais e abstractos -, o princípio da separação de poderes por relação à margem de liberdade da administração em face do poder jurisdicional, e a avaliação do caso concreto à luz da finalidade normativa do interesse público prosseguido, sendo que, sempre, “a base jurídica da margem da livre decisão administrativa é a lei” - cfr. Sousa, Marcelo Rebelo de, e Matos, André Salgado de, “in” Direito Administrativo Geral, Tomo I, 5.ª edição, fls. 183.
Daqui resulta que, mais do que permitido, se impõe o controlo jurisdicional do teor/conteúdo útil emergente de decisão administrativa no referente à boa ou má formulação dos eventuais juízos de prognose e/ou assumir de riscos (não, em rigor, quanto à concreta decisão), e na medida em que se possam ter formulado (cfr. desde logo CPTA, artigo 71.º) “valorações próprias” do exercício (discricionário) da “função administrativa”.
É que consistindo a “margem de livre apreciação” um “espaço de liberdade da administração na apreciação de situações de facto que dizem respeito aos pressupostos das suas decisões” (“in” citado Direito Administrativo Geral, Tomo I, 5.ª edição, página 195), o concretizar, caso a caso, do princípio, estruturante, do dever da boa administração mais não parece significar do que a sua utilização no controlo jurisdicional “stricto sensu” dessa boa ou má apreciação, e sem que tal seja sinónimo de “dupla administração”.
As fronteiras do controlo jurisdicional não podem, de resto, querer significar em matéria de separação de poderes a não juridicidade do dever, enquanto eficiência, de boa administração.
A natureza deste dever jurídico tem de ser reportada à melhor solução, de entre as possíveis, para o interesse público, pelo que a sua não observância deverá, sem que se possa falar de invasão da área de mérito, poder importar invalidade do acto administrativo (e/ou, na medida em que tal se possa, com realismo técnico, e se outras soluções se apresentavam como validas alternativas, configurar, tutela preventiva, e como tal inutilizadora de efeitos previsíveis, ainda que minimamente, como potencialmente nefastos), para além, pois, de essa não observância poder ser eventual fundamento de responsabilidade disciplinar, ou de avaliação de desempenho, e/ou eventual fundamento de responsabilidade civil da administração perante terceiros, e/ou eventual fundamento de impugnação administrativa e, por aí, de revogação do acto em causa por motivo de interesse público, e/ou eventual fundamento de orientação no âmbito dos poderes de controlo por parte dos órgãos titulares (“v.g.” o Governo) de direcção, superintendência e eventual tutela de mérito sobre outros órgãos da administração.
Não se diga, de resto, que tal não é conforme à “unidade do sistema jurídico” (cfr. Código Civil, artigo 9.º), pois que: - por um lado, o princípio da boa administração como eficiência comporta clara injunção dirigida à administração, desse modo devendo funcionar com o grau de efectividade e de vínculo dos demais princípios limitadores da margem de livre decisão administrativa; - por outro lado, os critérios (alegadamente não jurídicos porque de mérito) da boa administração não relevam para, por exemplo, o acto administrativo de resolução de um contrato por incumprimento; - e, ainda, porque tal objecção não é aferida, em sede de variada tutela jurisdicional (cfr. “v.g.” CPTA, artigo 55.º, n.ºs 1, alíneas b) e e), e 2) à questão da legitimidade processual.
Impõe-se, assim, que o princípio da boa administração, em termos do controlo jurisdicional, tenha, para válida conduta administrativa, como referenciais não só a legalidade no contexto de “vício de excesso de poder”, como a verificação de todos os “vícios” de violação da lei, devendo ser o objecto desse controlo a actividade administrativa nas suas diversas formas, sob pena de o “poder público” reservar para si “parcelas cada vez mais significativas de verdadeira imunidade”, sem prejuízo do inerente rigor relativo à verificação dos pressupostos e requisitos que, em cada caso, o permitam e sem que os tribunais “exorbitem os seus poderes” na realização da justiça material - cfr. “Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo”, 2.ª edição/2015, da “AAFDL Editora”, fls. 203 a 204.
É que o exercício tal poder jurisdicional, atenta a natureza das leis num Estado de Direito, mais não configura do que a verificação, eventualmente, se necessário, com recurso a peritos da área em questão, da legalidade de concreta actuação, avaliando-se inerentes “justificações” e margens de actuação alternativa, à luz dos princípios e valores consensuais chamados à colacção, mas para lá da relatividade político-administrativa conjuntural, uma vez que em causa sempre estará um princípio fundamental, consagrado até, agora, no artigo 5.º, do Código do Procedimento Administrativo (integrador, como “supra” se aludiu dos “princípios constitucionais da eficiência, da aproximação dos serviços das populações e da desburocratização”).
O referente que se impõe ao poder jurisdicional é, sublinha-se, o controlo da legalidade da actuação da administração subjacente à concreta “margem de livre apreciação”, e na exacta medida em que se trate, especificadamente, de uma questão jurídica aferida a um princípio fundamental, eventualmente violado, e que, deste modo, se estrutura como questão jurídico-administrativa.
Não se trata, aí, de avaliar o espaço de liberdade da administração mas, antes, a boa ou má apreciação por esta das situações de facto que, desde logo em termos de especificidade técnica, dizem respeito aos pressupostos das decisões em causa, e na medida em que as mesmas se possam evidenciar como violadoras, em concreto, do princípio da boa administração (ou outro) e, assim, ilegais ou, no limite, com conteúdo inconstitucional.

Raquel Goldschmidt (N.º 25792)

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Princípio da Justiça e seus adjacentes

O Princípio da Justiça encontra-se constitucionalmente consagrado no art.º 266.º, n.º 2, quando estatui que os órgãos e agentes administrativos devem actuar no exercício das suas funções com respeito, entre outros, pelo princípio da justiça.
Definir justiça é uma missão certamente muito complicada. Podemos encará-la numa perspectiva de dar a cada um o que é seu ou, como um conjunto de valores e regras de conduta ou, ainda, como o simples respeito pela dignidade da pessoa humana.
Se atentarmos no teor do art.º 266.º n.º 2 da CRP vemos que a justiça está para lá da legalidade, ou seja, podemos dissociar o respeito pela lei do respeito pelo princípio da justiça. Ao referir o princípio da justiça neste artigo, a par de outros princípios como o da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade ou boa-fé, a CRP pretende de certa forma, desmistificar os valores subjacentes à ideia de justiça.
Assim sendo, a par de alguma doutrina (Prof. Freitas do Amaral), pensamos que o art.º 266.º n.º 2 consagra, fundamentalmente, o princípio da justiça, integrando-se nele os demais princípios referidos neste artigo.
Cabe agora fazer uma breve análise destes, por nós considerados, subprincípios inerentes ao princípio da justiça.
O princípio da igualdade, previsto no art.º 6.º do CPA, expressa a ideia de que a Administração nas suas relações com os particulares deve tratar de forma igual, o que o é, e de forma desigual, o que é desigual. Esta ideia proíbe que a conduta da administração diferencie o que é igual e, obriga-a a diferenciar o que é desigual.
Importa agora refletir sobre o princípio da proporcionalidade, consagrado no art.º 7.º do CPA, nas suas duas dimensões. A de adequação, ou seja, a proibição de adoptar condutas que sejam inaptas aos fins prosseguidos, e a da necessidade, isto é, a proibição de adoptar condutas que não sejam indispensáveis para a prossecução dos objectivos a realizar.
Um outro princípio relacionado com o princípio da justiça é o princípio da boa-fé, previsto no art.º 10.º do CPA. Desde logo faz sentido dizer que este princípio é um dos pilares de todo o ordenamento jurídico. Num Estado de Direito Democrático, espera-se que a Administração seja uma pessoa de bem e se paute pelas regras da boa-fé, espera-se ainda, em especial, que respeite os subprincípios decorrentes da boa-fé, como o princípio da tutela da confiança.

Finamente cumpre abordar o princípio da imparcialidade, previsto no art.º 9.º do CPA. Em obediência a este princípio, a Administração Pública não deve tomar partido por nenhuma das partes numa relação jurídica, deve apenas analisar os factos de forma objetiva e ter unicamente em conta factos que realmente interessam para a resolução da contenda. Este princípio tem duas dimensões, a negativa, que impede os titulares de órgãos e os agentes da Administração de intervirem em questões que sejam do seu interesse pessoal ou familiar, e a positiva, que impõe o dever, por parte da Administração de ponderar e ter especial atenção antes da tomada de decisão, todos os interesses quer públicos quer privados. 

João Gaspar nº26613

segunda-feira, 23 de maio de 2016

O pequeno detalhe que muda tudo

Uma das grandes alterações presentes no CPA de 2015, a grande alteração na ótica do professor Freitas do Amaral, foi a substituição do artigo 149º do antigo CPA pelo artigo 176º. Na sua opinião, a redação deste único artigo altera todo o paradigma do Direito Administrativo português.

O artigo 149º do CPA de 1991 concedia à Administração o Privilégio da Execução Prévia. Este privilégio concedia à Administração a faculdade de impor coativamente aos particulares decisões unilaterais por via administrativa, sem necessidade de recorrer aos tribunais. Assim sendo a Administração tinha não só o poder de decidir unilateralmente qual o direito a aplicar como o poder de impor o seu cumprimento, sem necessitar de decisão judicial prévia.

Artigo 149º - Executoriedade
1 - Os atos administrativos são executórios logo que eficazes.
2 - O cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um ato administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no presente Código ou admitidos por lei. 
3 - O cumprimento das obrigações pecuniárias resultantes de atos administrativos pode ser exigido pela Administração nos termos do artigo 155º.

Este privilégio não impedia que os particulares impugnassem posteriormente os atos administrativos por via judicial, mas, no entanto, os mesmos produziam efeitos até o tribunal os decretar inválidos, ou seja, a impugnação não produzia efeitos suspensivos.

O artigo 176º do CPA de 2015 acaba com o privilégio da execução prévia como princípio geral do Direito Administrativo português, limitando a execução coerciva dos atos administrativos aos casos expressamente previstos na lei ou a situações de urgente necessidade pública devidamente fundamentadas.

Artigo 176º - Legalidade da execução

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, a satisfação de obrigações e o respeito por limitações decorrentes de atos administrativos só podem ser impostos coercivamente pela Administração nos casos e segundo as formas e termos expressamente previstos na lei, ou em situações de urgente necessidade pública, devidamente fundamentada.
2 - A execução coerciva de obrigações pecuniárias é sempre possível, nos termos do artigo 179º.

O preâmbulo do CPA informa que “trata-se de opção sustentada ao longo dos últimos 30 anos por uma parte muito significativa da doutrina” ao qual o professor Freitas do Amaral contrapõem que esta opção “corta com 200 anos de tradição do Direito Administrativo Português”.

O privilégio da execução prévia é uma caraterística distintiva do modelo administrativo francês, inexistente no modelo administrativo anglo-saxónico. Portugal é o primeiro e único país em que vigora o modelo francês a abandonar o privilégio de execução prévia.

Abandonando esta premissa como princípio geral de Direito Administrativo e permitindo-a apenas em situações excecionais, é difícil admitir que Portugal continue a seguir o modelo administrativo francês, que o CPA de 2015 é apenas uma renovação profunda do CPA de 1991 e não uma rutura com paradigma vivido até então. É de realçar que Portugal segue a tradição romano-germânica quer no Direito Público quer no Direito Privado e esta alteração, típica do sistema administrativo britânico, insere-se na tradição dos países da common law.

Para finalizar, deixo duas questões para reflexão:
  1. Qual o fundamento desta alteração? O preâmbulo do CPA apenas refere que vai de acordo com a opinião de parte da doutrina. O professor Freitas do Amaral considera este argumento claramente insuficiente para justificar esta mudança radical de paradigma, sem que sejam invocadas questões ou problemas práticos que esta solução resolva.
  2. Quais as implicações práticas desta alteração? Existe sério risco de paralisia dos Tribunais Administrativos e da própria Administração pelo aumento exponencial de processos judiciais e pela falta de lei adequada a este regime.
Luis Carlos Roque

domingo, 22 de maio de 2016

Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público


Segundo o Professor Doutor Fausto Quadros, "O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado não deve ser confundido com o da sua responsabilidade contratual que, na medida em que esta tiver de ser regida pelo Direito Público, deverá ser inserido, sempre o defendemos, numa Lei dos Contratos Públicos (dentro dos quais se integram hoje, sobretudo por força do Direito Comunitário, embora conservem autonomia, os Contratos Administrativos), também ela necessária e urgente". 

Neste contexto, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas Públicas, consiste, na obrigação que recai sobre uma entidade envolvida em atividade de natureza pública que tiver causado prejuízos aos particulares, encontra-se regulado pela Lei 67/2007, de 31 de agosto. Este novo regime incide sobre a responsabilidade civil extracontratual decorrente de atos das funções administrativa, legislativa e judicial, como consta do artigo 1.º, n.º1 da legislação anteriormente citada.
A especificidade desta legislação alude primeiramente no artigo 1º- nº2, que visa atos de gestão pública e atos de gestão privada; ou seja, atos gestão privada que quando praticados por uma pessoa coletiva pública, criam uma relação jurídica regulada pelo direito público. A lei também se aplica à responsabilidade dos titulares do órgãos, funcionários e agentes públicos, trabalhadores, titulares dos órgãos sociais e representantes legais ou auxiliares, artigo 1º - nº4.
A principal preocupação do legislador foi clarificar no âmbito da responsabilidade subjetiva por atos praticados na função legislativa, tendo como requisitos a ilicitude e na culpa.
·         Ilicitude à Consiste numa ação ou numa omissão, regulado pelo artigo 7º;
·         Culpa à Consiste num comportamento adotado com diligência ou aptidão inferiores àquelas que fosse razoável exigir, no caso, a um titular de órgão administrativo, funcionário ou agente zeloso e cumpridor, com base nos princípios e regras jurídicas relevantes, artigo 10.º, n.º1. Há que distinguir entre culpa leve, quando o autor da conduta ilícita em causa atuou com diligência e zelo inferiores, mas não manifestamente inferiores, àqueles a que se encontrava obrigado, artigo 10º - nº3; e culpa grave, quando o autor da conduta ilícita haja atuou com dolo ou diligência e zelo manifestamente inferiores àquele a que se encontrava obrigado em razão do cargo, artigo 8.º, n.º1;
Quando estamos no plano da culpa grave, o agente que cometa o ilícito no exercício das suas funções, deve  o Estado ou a entidade pública em causa responder solidariamente com o titular do órgão ou agente, como consta do artigo 8º- n2.
Sendo que, o Estado ou a entidade pública em causa pode ser obrigado a indemnizar a pessoa lesada, mas neste domínio o Estado ou a pessoa coletiva tem direito de regresso relativamente ao titular do órgão ou agente, sendo o direito de regresso um poder que a administração tem que exercer, segundo os artigos 8º -nº3 e 6º nº1.
Também é importante mencionar a responsabilidade pelo risco, artigo 11º, muito semelhante à que consta no direito das obrigações, no direito privado comum. A responsabilidade pelo risco, responsabilidade objetiva, aplica-se independentemente da culpa, ou seja, situações causadoras de danos especiais que visam tutelar os interesses da coletividade, no qual sendo os particulares lesados/prejudicados, a administração deve indemnizar pelos danos causados, não estando preenchido o requisito da ilicitude, decorre de situações/atividades emergentes ou perigosas. Implica um comportamento anormal por parte da Administração Pública.



Leila Rebolo nº 26651
23-05-2016



sexta-feira, 20 de maio de 2016

Acto Administrativo,
uma leitura de Mário Aroso de Almeida

 O conceito de acto administrativo ocupa uma posição central no Direito Administrativo, todavia a sua noção ainda não foi objecto de definição única e certa[1], neste sentido as respostas doutrinias são diversas. Tal como noutros ordenamentos jurídicos, também no português o conceito de acto administrativo foi sendo construído a partir de dados jurisprudenciais. Assim, Marcello Caetano, seguindo os ordenamentos francês e italiano, apresentou-o com um sentido amplo, designadamente com “a conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses propostos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto”[2] .
Em sintonia com este conceito amplo de acto administrativo, apresentava o mesmo autor o conceito mais restrito de acto administrativo definitivo e executório, como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que, para a prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória coerciva, situações jurídicas num caso concreto” fixando “os direitos da Administração ou dos particulares, ou os respectivos deveres, nas suas relações jurídicas” e que podia ser objecto de impugnação contenciosa[3].
Ora, a este conceito associado ao Estado Novo sucede uma doutrina dividida no Estado de Direito democrático quanto à delimitação do conceito de acto administrativo enquanto categoria classificatória das manifestações jurídicas concretas que são produzidas pela Administração. Os seguidores de Marcello Caetano defendiam que deveria manter-se a distinção entre actos administrativos definitivos e actos administrativos não-definitivos, a partir do conceito amplo. Aqui estaríamos perante a autonomização do conceito de acto administrativo materialmente definitivo, de acordo com Freitas do Amaral. Inversamente, os defensores da doutrina alemã, também por influência italiana, defendem que essa distinção deveria ser abandonada, adoptando-se um conceito restrito que deixasse de fora as manifestações jurídicas não impugnáveis, a enquadrar numa categoria distinta de actos jurídicos, a qualificar como actos instrumentais.
O que preconiza o novo CPA?
À luz da definição legal contida no artigo 148.º do CPA, consideram-se actos administrativos “as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. Na esteira de Mário Arnoso de Almeida, afirma-se que o essencial do percurso doutrinário e jurisprudencial, construído ao longo de décadas, se encontra plasmado naquele artigo do novo CPA, correspondendo à teoria geral do acto administrativo. Na visão deste autor, o artigo 148.º restringe o âmbito da figura do acto administrativo aos actos decisórios com eficácia externa, delimitando também o regime procedimental dos artigos 102.º e seguintes, que toma como referência esta figura.
Assim, o conteúdo decisório continua a manter a sua relevância, sendo elemento determinante na definição de acto administrativo, ou seja, é necessário conteúdo que exprima uma decisão bem como uma resolução que indique a meta visada ou as condutas a adoptar. Todavia, quando invoca aquele conteúdo, não se alude apenas aos actos finais dos procedimentos administrativos, inclui todos os actos praticados ao longo dos procedimentos, que definam situações jurídicas dos interessados, determinando o Direito aplicável. Neste sentido, falamos em decisões interlocutórias que formam caso decidido formal no âmbito do procedimento. Neste domínio, encontramos também as decisões prévias ou decisões parcelares visto que possuem conteúdo decisório. Inversamente, excluem-se do conceito que ora nos ocupa os actos preparatórios dos procedimentos administrativos, v. g. pareceres não vinculativos, informações e propostas.
Seguindo o artigo 148.º do CPA, acresce que os actos administrativos visam produzir efeitos externos, ou seja, interesses e direitos de entidades exteriores àquela que o pratica[4], excluindo-se todos os demais actos jurídicos concretos. Por conseguinte, este artigo estabelece uma fronteira entre actos que visam produzir efeitos externos e os actos internos, que não produzem aquele efeito. O requisito da eficácia externa exclui os actos decisórios praticados no âmbito de relações interorgânicas. Neste sentido, os actos sem conteúdo decisório não são actos administrativos, assumindo duas tipologias distintas: actos praticados fora do âmbito de procedimentos administrativos com relevância externa (v. g. ordens de serviço) ou no âmbito de procedimentos administrativos com eficácia externa (v. g. a ordem que o órgão superior dirige aos serviços para instaurarem um processo disciplinar a um funcionário).
Esta destrinça de actos internos de externos, no plano funcional, inerente ao artigo 148.º do CPA afigura-se consistente com o princípio da segurança jurídica, pois delimita o conceito de forma estabilizadora e em consonância com a doutrina, a evolução da sociedade e o percurso do próprio Direito Administrativo.

Graça Santos e Sá













[1] Cfr Mário Aroso de Almeida, in  Teoria Geral do Direito Administrativo, citando André Laubadère.
[2] Cfr Mário Aroso de Almeida, op cit, p. 184
[3] Idem
[4] Ibidem, p. 191.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

              A fundamentação é um dever legal que se define como a enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo (art. 152.º a 154º do CPA). Como dever legal que é a obrigação de fundamentação está reportada ao art.º. 152º do CPA A fundamentação é uma formalidade de grande importância, não apenas para o particular lesado pela atuação administrativa, mas também na perspetiva do tribunal competente para ajuizar a validade do ato e ainda na ótica do interesse público. Para Rui Machete advogado e político português, o dever de fundamentação tem quatro funções- Defesa do particular; - Autocontrolo da Administração; -Pacificação das relações entre administração e particulares; -Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão.
             O objetivo essencial é, esclarecer concretamente a motivação do ato, permitir a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a adoção de um ato com determinado conteúdo (art. 153º, n.º2 CPA). Tal como existe a figura da obrigação de fundamentação, existem também a figura da dispensa de fundamentação – art. 152º, n.º2, alíneas a) e b) do CPA. No caso da alínea a) do referido artigo, a justificação da dispensa de fundamentação reside na natureza específica do ato de homologação, que incorpora e absorve o ato homologado: como este tem de ser fundamentado, a homologação apropria-se também dessa fundamentação e torna-se, desse modo, automaticamente fundamentada. No caso da alínea b), a fundamentação, a existir, não seria dirigida a terceiros, mas, apenas, ao subalterno; ora, a autoridade hierárquica do superior deve poder ser exercida sem necessidade de dar explicações.
Contudo, a fundamentação tem de preencher os requisitos do art 153º do CPA. Tem de ser expressa (enunciada no contexto do próprio ato pela entidade decisória). Tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
                O Supremo Tribunal Administrativo - «Dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos atos administrativos, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, este ficará assegurado sempre que a decisão em causa se situe inequivocamente num determinado quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal»
                Assim, a fundamentação deve de ser clara coerente e completa (não deve ser contraditória, obscura ou insuficiente).Tendo o regime da fundamentação casos especiais é de relevar tais exceções. Quando o ato administrativo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta: o dever de fundamentação considera-se cumprido com essa mera declaração de concordância (art. 153º, n.º1 do CPA). Havendo homologação nem sequer é necessário fazer expressamente qualquer declaração de concordância: a homologação absorve automaticamente os fundamentos e conclusões do ato homologado. Caso dos atos orais: em regra, não contêm fundamentação. Ou são reduzidos a escrito em ata (e aqui tem de estar a fundamentação sob pena de ilegalidade), ou não havendo ata, a lei dá aos interessados o direito de requerer a redução a escrito da fundamentação dos atos orais, cabendo ao órgão competente o dever de satisfazer o pedido em 10 dias (art. 154º, n.º1 do CPA). O não exercer da faculdade de requere fundamentação não prejudica os efeitos da sua falta (art. 154º, n.º2 do CPA).
               Se não houver fundamentação, o particular pode recorrer ao processo judicial de intimação ou pedir recurso de anulação, tendo como causa a falta de fundamentação. Como consequências da falta de fundamentação – o ato será ilegal por vício de forma e será anulável (art. 163.º do CPA).

Contudo, se um ato vinculado se baseia em dois fundamentos legais e um não se verifica, mas o outro basta para alicerçar a decisão, o tribunal não anula o ato por força do princípio do aproveitamento dos atos administrativos. Onde haja poderes discricionários ou espaços de escolha administrativa, não poderá o juiz aproveitar um ato formalmente viciado, porque não está em condições de declarar aquele conteúdo como a única decisão legítima.

Bárbara Mendes de Magalhães Nº25761

Acto Administrativo - Novo CPA


O conceito de acto administrativo apareceu como modo de delimitar certos comportamentos da Administração em função da fiscalização da sua actividade pelos tribunais e mais tarde como garantia dos particulares.

Até á reforma do contencioso Administrativo de 2004 eram utilizados para definir o controlo dos Tribunais sobre a atividade da função pública. Actualmente, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva “o ato administrativo do ponto de vista procedimental, dado que se trata de uma forma de actuação que é praticada no decurso de um procedimento no qual os particulares são chamados a participar

O Professor Freitas do Amaral caracteriza ato administrativo como sendo “ o acto jurídico unilateral praticado no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que se traduz na decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”

O conceito de acto está plasmando no artigo 148 do CPA que é composto por elementos subjectivos, formais, objectivos e funcionais. Os elementos subjectivos no que se refere aos sujeitos que compõem o ato administrativo que podem ser uma pessoa colectiva e um particular, particular e administração, pessoa colectiva e pessoa colectiva.

No que se refere aos elementos formais todo o acto administrativo tem sempre necessariamente uma forma  i.e um modo pelo qual se exterioriza ou manifesta a decisão voluntária em que o acto consiste, não devendo este conceito ser confundido à forma dos documentos em que se contenha a redução a escrito dos actos administrativos.

No que se refere aos elementos caracterizados objectivos referimo-nos ao conteúdo e ao objecto, consubstanciando numa decisão voluntária de um determinado ato.

Um ato administrativo só existe, é valido e eficaz se preencher os requisitos caso contrário estaremos perante situações de inexistência, de invalidade ou de ineficácia do ato administrativo.  

Acto administrativo pode ser nulo, anulável ou irregulado (irregularidade menor), mas há outro desvalor que pode ser tratado que nem toda a doutrina o reconhece como autónomo, a ineficácia.

A anulabilidade é o desvalor jurídico regra no direito português. De facto, na falta de preceito em sentido contrário a invalidade da atuação administrativa reconduz-se à anulabilidade. A nulidade é considerada a forma mais grave de invalidade do ato administrativo e tem um caráter excecional.

O ato anulável produz efeitos e é eficaz, até ao momento em que venha a ser anulado, isto é, os atos anuláveis gozam da presunção de que são atos válidos. Por outro lado, sendo tal ato obrigatório, impõe-se ao particular e isto significa por um lado que, existe um dever de obediência por parte do particular e que a Administração goza de privilégio de execução prévia, isto é, pode impor coativamente o ato se o particular não o acatar voluntariamente.

Os requisitos de existência de um ato administrativo e os elementos constitutivos constam no nº2 do artigo 155 CPA pelo que a sua ausência implica a sua inexistência. Face ao novo CPA, essa relevância é teorizada por Mário Aroso de Almeida, fundamentalmente a partir do nº 2 do artigo 155; isoladamente ou conjugado com o artigo 151, onde consta as menções obrigatórias que devem constar do acto.

No anterior CPA, o nº 1 do artigo 133 considerava os actos nulos quando lhe faltasse qualquer dos elementos essenciais. Com o novo CPA no artigo 161º pormenoriza-se o regime da anulabilidade, determinando-se as circunstâncias e as condições em que é admissível o aproveitamento judicial do ato anulável.

Com a revisão de 2015, o nº 2 do artigo 162 determina que embora a nulidade dos atos administrativos possa ser conhecida por qualquer autoridade administrativa, esta só pode ser declarada pelos órgãos competentes.
 
 
Maria Godinho
Nº 24979